HeadUp: Cuidar de quem cuida



Nunca como agora se falou tanto de saúde mental, e ainda bem. Isso significa que, aos poucos, o tema está finalmente a sair do silêncio e tabu para passar a ser visto como uma prioridade social, humana e profissional. A saúde mental não é um luxo, nem um sinal de fraqueza, mas uma dimensão essencial do bem-estar de cada um de nós. Neste cenário, o setor da beleza profissional tem assumido um papel exemplar. A prova disso são iniciativas como a  HeadUp, da L’Oréal Professionnel, e a Beautyland teve o privilégio de acompanhar de perto uma das suas formações mais recentes. O objetivo? Formar cabeleireiros e profissionais da beleza para saberem cuidar de si com o mesmo empenho com que cuidam dos outros.




O programa HeadUp, através de um modelo híbrido de formação, gratuito e acessível, pretende chegar a mais de 100 mil profissionais em todo o mundo, sensibilizando-os para os desafios da saúde mental no seu dia a dia. A profissão de cabeleireiro vai muito além da estética, envolve ouvir desabafos, sentir empatia, e ter disponibilidade emocional. É, muitas vezes, uma linha direta com o íntimo dos clientes e isso, se não for bem gerido, tem um custo.




Durante a formação, foram abordados temas cruciais como o autocuidado, a gestão do stress, a criação de limites saudáveis com clientes e colegas, e a necessidade de combater estigmas associados à saúde mental. Um dos conceitos centrais foi o do “contentor de stress”, uma metáfora poderosa para explicar a forma como cada pessoa gere a pressão acumulada no dia a dia. Se o contentor está sempre a encher e nunca é esvaziado, há risco de transbordar. Mas se introduzirmos rotinas simples de bem-estar (como uma boa alimentação, sono de qualidade, atividade física ou momentos de pausa) conseguimos manter esse contentor sob controlo.




Esta formação não é apenas um manual de boas práticas, é uma chamada à consciência. Num setor onde se cuida tanto da imagem e da autoestima dos outros, é urgente que os profissionais aprendam a cuidar da sua própria saúde emocional. A pandemia veio agravar estas pressões, aumentar exigências e tornar ainda mais evidente a necessidade de apoio emocional e psicológico. Os cabeleireiros não fogem às estatísticas alarmantes de saúde mental em Portugal, onde um em cada cinco pessoas enfrenta algum tipo de problema psicológico e onde, tragicamente, três pessoas por dia perdem a vida por suicídio. Neste contexto, iniciativas como a HeadUp não são apenas relevantes, são vitais.




A sessão contou com a intervenção da psicóloga clínica Mariana Pinote, colaboradora da ENCONTRAR+SE, que partilhou com a Beautyland a sua visão sobre o impacto desta formação e a importância de se falar abertamente sobre saúde mental no setor. Aqui fica a nossa conversa completa.
 

Mariana Pinote Moreira
Psicóloga Clínica, ENCONTRAR+SE


Durante a formação, abordou-se a importância do “contentor de stress” e de como ele varia de pessoa para pessoa. Na sua experiência, quais são os principais fatores que determinam o tamanho desse contentor e a vulnerabilidade ao stress nos cabeleireiros?

Importa compreender que a saúde mental é uma dimensão de todos nós. Assim como temos saúde física, temos saúde mental. Ainda que diferentes pessoas possam ter desafios específicos (pelas suas características, profissões, contextos etc.) há fatores que influenciam a saúde mental que são comuns a todos. À semelhança do que acontece com outras doenças (por exemplo, cancro) há pessoas que têm uma vulnerabilidade que aumenta a probabilidade de desenvolverem um problema de saúde mental. Esta vulnerabilidade varia de pessoa para pessoa, dependendo de um conjunto de fatores, nomeadamente a genética, fatores biológicos, as estratégias de coping (ou seja, as estratégias que utilizam para lidar com problemas), os estilos de pensamentos (por exemplo, ser mais pessimista, mais perfecionista, mais catastrófico), questões ambientais, rede de suporte, entre outros. Para estas pessoas, a vivência de stress assume- se como um fator de risco para a sua vulnerabilidade relativa à doença mental. Desta forma, a experiência de níveis de stress elevados pode funcionar como “gatilho” para o desenvolvimento de uma doença mental. Sabendo que a profissão de cabeleireiro é altamente exigente em termos de ritmo, horários, pressão, desgaste, os cabeleireiros acabam por ter o seu “contentor de stress” bastante preenchido, o que aumenta o risco de um problema de saúde mental. Daí a importância do programa HeadUp que permite aos cabeleireiros pararem e avaliarem como está o seu “contentor”.

Muitos profissionais do setor da beleza sentem a necessidade de estar sempre bem para os clientes, escondendo os seus próprios desafios emocionais. Como podem gerir esta pressão sem comprometer a sua saúde mental?

Uma das coisas que tenho aprendido com a oportunidade de trabalhar com este público (cabeleireiros) é que a maior parte tem como propósito cuidar do outro através da sua profissão. Se isto é o que faz os cabeleireiros gostarem e persistirem na sua profissão, é claro que tudo farão para que os clientes se sintam bem. Isso não passa só por tratar do cabelo, mas também proporcionar toda uma experiência no salão onde a pessoa se sinta acolhida, cuidada e valorizada. Por levarem esta missão tão a sério, acabam por colocar-se em segundo plano e “vestir uma capa” de super homem/mulher mostrando-se sempre bem e disponíveis, mesmo quando assim não é.

O que temos discutido nestas sessões é a importância de se apresentarem também como seres humanos, isto é, de poderem partilhar que nem sempre estão bem, que há temas que podem ser mais difíceis falar naquele dia. Por outro lado, importa também colocar uma barreira no envolvimento com aquilo que é partilhado consigo. Isto é, podem ouvir e empatizar com o que lhes estão a contar, mas é importante lembrar que não devem envolver-se demasiado com o problema daquela pessoa. Isso passa por não aprofundar demasiado a situação e por não dar demasiados conselhos, por exemplo. No final do dia, pode também fazer sentido introduzir uma espécie de ritual ou hábito que ajude a desligar do trabalho (por exemplo, ouvir música no carro, fazer uma atividade depois do trabalho).




O autocuidado foi um dos temas centrais da formação. Que pequenas mudanças diárias os cabeleireiros podem adotar para esvaziar regularmente o seu contentor de stress e prevenir o burnout?

O autocuidado é imprescindível para a manutenção de uma boa saúde mental. Tendemos a ver o autocuidado como um luxo ou recompensa para quando trabalhamos muito, mas se não o fizermos com regularidade corremos o risco de não conseguir esvaziar o “contentor” com a mesma rapidez com que está a acumular o stress. Os cabeleireiros, pelos horários de trabalho longos, têm alguma dificuldade no equilíbrio entre a vida pessoal, familiar e profissional. Esta formação tem sido importante para ouvir testemunhos de outros colegas e partilhar estratégias promotoras deste equilíbrio.

Importa lembrar que quando falamos de autocuidado não precisamos de “tirar coelhos da cartola” porque coisas simples, desde que regulares, podem ser suficientes para gerir a carga do “contentor” e manter uma boa saúde mental e bem-estar.Nesta formação temos falado da importância do autocuidado ao nível do corpo, da mente e numa dimensão social. Isto implica incluir na rotina uma boa alimentação, boa higiene de sono (fundamental para a saúde mental), exercício físico regular, práticas de respiração e meditação (fundamentais para baixar os níveis de stress ao longo do dia de trabalho), desenvolver o autoconhecimento e não esquecer de incluir no dia a dia momentos de prazer (com amigos, com a família).

É certo que para que isto aconteça é necessário definir prioridades e fazer algumas mudanças na forma como se lida com o trabalho, como se organiza, etc. Naturalmente, não podemos desconsiderar a preocupação e a necessidade que os cabeleireiros têm em manter os seus negócios sustentáveis, o que por vezes torna difícil a implementação de algumas destas estratégias. A mensagem que costumo passar é de que cuidar de nós enquanto patrões/chefias é também cuidar do nosso negócio. Nestas formações temos chegado à conclusão que mais vale ir parando pontualmente do que sermos obrigados a parar. Por isso, falar em autocuidado é também falar em produtividade e sustentabilidade.

Os cabeleireiros são frequentemente os ouvintes dos clientes, que muitas vezes partilham os seus problemas pessoais. Como podem criar limites saudáveis sem comprometer a relação com os clientes?

Por um lado, importa lembrar que a maior parte das pessoas que partilha os seus problemas/dificuldades, só quer ser ouvida e validada e que nem sempre procura um conselho ou opinião. Por outro lado, importa lembrar que ouvir sem ter nada para dizer pode ser também uma ajuda suficiente e importante. Parece que quando nos contam algo sentimos pressão para dar algum conselho ou opinião, mas não tem de ser assim. Dizer “compreendo o que estás a sentir”, “não deve ser fácil estar a passar por isso”, “vejo que estás a dar o teu melhor para resolver a situação” é muitas vezes o aconchego de que o outro precisa. Portanto, diria que em primeiro lugar, é importante eliminar essa pressão de dizer algo, ou de trazer o lado positivo para todas as situações.

Por outro lado, nestas partilhas pode tornar-se mais claro que a pessoa está em sofrimento e precisa de ajuda profissional. Nesta formação dotamos os cabeleireiros de conhecimentos para identificar alguns sinais de alerta de um problema de saúde mental e encaminhar para ajuda profissional (psicólogos e psiquiatras). Neste encaminhamento existem alguns mitos e preconceitos que precisam de ser combatidos (por exemplo, os psicólogos são para malucos; ou os psiquiatras são para quem está no limite) e é algo que também desconstruímos nesta formação.




Na sua opinião profissional, qual é a importância de iniciativas como a  HeadUp? Que conselho daria aos profissionais de cabelo que estão a pensar participar nesta formação futuramente?

Daquilo que é o nosso conhecimento, não existem outras marcas que tenham trabalhado este tema, o que torna esta iniciativa altamente inovadora. Como membro da ENCONTRAR+SE tenho de agradecer à L’Oréal a oportunidade de fazer parte deste projeto e a confiança no nosso trabalho. Tem sido um percurso extremamente rico para nós e totalmente alinhado com a nossa missão: fazer chegar a saúde mental a todo o lado e a toda a gente.

Para os profissionais que pensam inscrever-se nesta formação posso partilhar que o feedback tem sido mesmo muito positivo e a formação tem sido descrita como uma boa oportunidade de aprender, de se inspirarem enquanto pessoas e profissionais com as partilhas e testemunhos e de pararem para cuidar de si também.




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